A REVOLUÇÃO DA CRUZ

A REVOLUÇÃO DA CRUZ

O mundo já passou por várias revoluções ao longo da História. A grande maioria delas foi à base do sangue, das guerras e da violência. Seus líderes sempre estiveram encabeçando-as presencialmente. Se matassem o líder, talvez morresse também a revolução. Entretanto, houve uma revolução relativamente silenciosa, e que se espalhou como uma árvore expande suas raízes sobre todo o mundo então conhecido. Uma revolução sem armas, encabeçada por homens iletrados, simples pescadores da menor província da época.

Enquanto dos rochedos de Capri, o Imperador, gastando seus últimos dias na devassidão e em festas prazerosas, lançava apenas sentenças de morte. Todo o império desfrutava de equilíbrio. No mar o comércio prosperava maravilhosamente. Todas as províncias estavam sob controle, perfeitamente submissas. Era assim também na Palestina. Nada parecia ameaçar o domínio romano na menor das regiões do Império. Tudo estava aparentemente bem. Apenas os zelotes e insubmissos tiravam a paz dos romanos. O sinédrio controlava bem o povo, os fariseus os entretiam com suas centenas de regras supostamente baseadas na Torah.

Foi neste sintético contexto que uma mensagem extraordinária começava a espalhar-se por toda a Jerusalém. Os anunciadores destas boas novas não tinham nada de excepcional em si mesmos. Eram judeus dedicados como a maioria. Respeitavam os rituais e costumes da religião judaica. Guardavam o sábado, oravam nos horários estabelecidos, jejuavam até duas vezes por semana. Não faziam parte dos poderosos, pois não dos “príncipes dos sacerdotes” nem dos “anciãos do povo”. Na maioria, eram gente da plebe. O sotaque denunciava sua terra de origem, a desprezada Galiléia. Os líderes os olhavam com desprezo e outros com preocupação.
Os irmãos sem sangue

Quem eram eles? O que exatamente anunciavam? Que mensagem era essa, capaz de reunir pessoas do Ponto, do Egito, da Líbia e da Capadócia numa só fé? Inicialmente, haviam-se denominados discípulos, porque tinham um Mestre, um fundador. Mas, o amor que neles se observava os levou a chamar um ao outro de irmãos. Sim, irmãos. A comunhão, a partilha de bens, o cuidado e unidade entre eles foram mais bem denominados como uma relação de irmãos.

Não formavam uma seita, como os fariseus que ostentavam sua religiosidade nos grandes filactérios que usavam, ou pelos rituais e regras que regiam suas vidas. Os adeptos dessa fé não se preocupavam em aparentar sua santidade como forma de separação social. Nem tampouco se isolavam do mundo, como os essênios, que viviam abnegadamente em monastérios no Mar Morto. Estes irmãos não fundaram uma sinagoga independente, ou keneseth, como a Lei autorizava. Mas, eles estavam entre todos, acessíveis a todos.

O que então eles pregavam? O desejo de liberdade no interior dos judeus era comum. Ninguém, exceto aqueles que lucravam, gostava do domínio romano sob Israel. A ânsia pela independência era mútua. Os profetas de outrora haviam predito a respeito daquele que seria um líder maior que Moisés. Mas, que faria um papel semelhante ao dele na libertação nacional no Egito. Os zelotes almejavam por um líder guerreiro que esmagaria a força opressora dos romanos. Os fariseus esperavam aquele que cumpriria cabalmente e perfeitamente toda a Lei. Os saduceus esperavam uma espécie de Rei-sacerdote que restituísse o Reino de Israel aos padrões dos tempos de Salomão, e que também consolidasse e legitimasse o poder dos sacerdotes.

Foi diante desta expectativa que surgiram vários messias. Todos eles, porém dissiparam-se como fumaça no céu. Mas, estes irmãos pregavam no Pórtico de Salomão, no Templo, nas sinagogas ou onde quer houvesse oportunidade que o Messias já tinha vindo. A mensagem era simples, Jesus de Nazaré, é o Messias de Israel. Nós não podemos imaginar atualmente a real intensidade e mistura do impacto de alegria e espanto que esta mensagem provocou no íntimo dos judeus. Esta era a resposta para a oração deles. A resposta divina para suas ânsias e desesperos. Deus enviou o Messias!

Um deles, chamado Pedro, que já se comportava como chefe, pronunciou o primeiro sermão registrado dessa nova fé. Diante uma grande multidão atônita diante da cena fora do comum na descida do Espírito Santo, se põe de pé afirma: “Varões israelitas, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré... Este Jesus, Deus o ressuscitou, e disso nós somos testemunhas... Tenha, pois, por certo a casa de Israel que Deus fez Senhor e Cristo a Jesus, que vós crucificastes” (At 2.22,23,32,36).

A nova fé baseava-se em quê?

Essa nova fé repousava sobre a ressurreição de Jesus. Pedro havia negado Jesus três vezes antes que o galo cantasse. Os demais fugiram com medo de cair no mesmo fim que seu Mestre. Apenas algumas mulheres e o jovem João ficara aos pés da cruz para assistir a crucificação. O que aconteceu para mudar tão radicalmente estes iletrados covardes e incrédulos em os primeiros mártires do Cristianismo? Até mesmo Tomé afirmava que só creria se primeiro tocasse nas perfurações no corpo do Jesus.

Eles tinham certeza que Jesus estava morto. Eles viram de longe e outros de perto o corpo do pregador da Galiléia sendo retirado e sepultado. Agora estavam escondidos das autoridades, sem compreender o sacrifício de Jesus, estavam como os discípulos no caminho de Emaús. Estes discípulos interrogavam-se entre si, sem compreender a morte de Jesus. Nenhum deles acreditava no maior de todos os milagres: a Ressurreição de Cristo.
Porque não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido. Atos 4:20
Se Cristo não tivesse de fato, ressuscitado, nenhum destes homens daria a sua vida para testemunhar de uma mentira. “E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé.” I Co 15.14 “Mas, confirmada por numerosas testemunhas, a Ressurreição passou a ocupar um lugar central na nova fé; tornou-se o fecho da abóboda do edifício doutrinal.” A revolução Cristã se iniciou! Uma revolução sem armas. As armas eram invisíveis.

Nietzshe afirmou que o cristianismo é uma religião de escravos. É a forma dos judeus se vingarem dos seus líderes. Pois, transforma a força em fraqueza, e a riqueza em pobreza. Se esquece portanto, que desde os dias de vida do próprio Jesus Cristo, alguns ilustres se converteram e creram em suas palavras. Se o cristianismo é uma religião de escravos, porque Nicodemos, Jairo e outros príncipes judeus o seguiram? Porque Barnabé, homem de posses que sustentou vários apóstolos se converteria? Por que Sérgio Paulo, procônsul de Roma creu maravilhosamente? É uma tremenda falta de conhecimento bíblico afirmar que o Cristianismo é uma religião de escravos.

É óbvio que para um escravo, o Cristianismo seria uma forma de libertação. Mas, não de vingança. Isso é ignorar o fato que levou os de Antioquia intitular, pela primeira vez, os irmãos de “cristãos”. O amor que Jesus Cristo demonstrava pelos seus discípulos os cristãos primitivos também demonstravam uns pelos outros. Isso quebrava as barreiras de sociais, de classes econômicas, culturais, raciais ou de nacionalidades. O Cristianismo primitivo não enxergava barreiras. Estas boas novas eram pregadas “sem impedimento algum”. Era uma revolução silenciosa que tomava conta de pessoas, famílias, bairros, cidades, províncias... O grão de mostarda cresceu ao lado da grande árvore do judaísmo, mas logo tornar-se-ia tão grande, que o judaísmo pareceria uma plantinha ao lado dela. A cruz era a bandeira, a ressurreição o baluarte, os discípulos os embaixadores de um Reino que até então, não era deste mundo.
Continua...

Pastor Flávio Alves

ROPS, Daniel. Academia Francesa. A igreja dos Apóstolos e dos Mártires. Editora Quadrante, São Paulo. 1988.

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