domingo, 22 de maio de 2011

"A Fé faz o Herói": Reflexões

 Auto-determinação, auto-estima, auto-confiança, auto-afirmação: slogans do mundo contemporâneo. A mentalidade em nossa sociedade é esta: busca-se realização. Não é de se estranhar que numa sociedade fundamentada num sistema de exclusão e de dominação do homem pelo homem, todos queiram alcançar o sonho burguês de chegar ao topo da sociedade – o que não é impossível, segundo o modelo capitalista. Nesse contexto, desde o mais oprimido até o mais rico – que, em sua maioria, nunca se saciam com o que tem – querem vencer, dominar e poder, qual seria o papel do cristão? Como temos nos comportado diante de tantas necessidades e desejos materiais que nos seduzem todos os dias? De que forma praticamos a filosofia cristã primitiva nos dias de hoje? O cristianismo contemporâneo alcançou uma popularidade nunca vista na história. A mídia tem investido maciçamente no que denominam “gospel”, ainda mais no que diz respeito a música: é justamente este ponto que pretendo ponderar.

            Há uma música intitulada “A fé faz o herói”, da cantora Jamily, que chama muito a minha atenção. De fato, é uma canção belíssima em se tratando de melodia. No entanto, sua letra deve ser submetida à crítica. Em suma, possui uma diversidade de perspectivas um tanto quanto divergentes da essência da teologia cristã. Nela, os versos circundam a atitude de ter fé e as suas consequências. Mas, o que é fé? Porque preciso dela? O que posso alcançar através do seu exercício? Como a canção retrata esse tema?
            “Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”, segundo o livro aos Hebreus (11.1), que elenca um admirável quadro de “heróis da fé” – pessoas que, por causa dessa certeza, agradaram a Deus, sendo recompensados por isto. Percebemos, portanto, que ela é uma condição para que aqueles que creem na existência de Deus, se aproximem dEle. Entretanto, essa ideia tem sido (re)significada hoje. A finalidade do exercício da fé não é mais agradar ao Ser Superior, mas alcançar o “pódio” com a realização dos sonhos “inalcansáveis”. Deus não é mais a finalidade, mas o meio de conquistar as realizações. Todavia, é interessante notar que NENHUM dos “heróis” citados em Hebreus recebeu o que havia sido prometido por Deus (Hb 11.39), mesmo que aparentemente o tenham alcançado, como, por exemplo, Abraão, o “Pai da Fé” e “Amigo de Deus”, que recebeu Isaque, o filho da promessa. Na verdade, a grande promessa mesmo era Cristo, o Salvador, o qual todos eles “viram-no de longe e de longe o saudaram” (Hb 11.13). O problema é que nossa mente humana é muito restrita. Não conseguimos enxergar a um palmo do nosso nariz. Somos sim “flecha veloz nas mãos de Deus”, no entanto, para realizações espirituais e sublimes que só Ele conhece, e não com relação a coisas finitas e materiais, produto de ambições humanas e pecaminosas.

Além disso, diferentemente do que é afirmado na música, o mundo não é nosso. Esta não é a nossa casa, nossa terra, nossa pátria. Cristo disse para ajuntarmos tesouros que não se acabam no céu, “onde ladrão algum chega perto e nenhuma traça destrói” (Lc 12.33). Não apenas isto: os “heróis” relatados no livro aos Hebreus não tinham por finalidade nenhum tipo de conquista, mas apenas agradar àquele em quem confiavam. Por isto, foram recompensados com bênçãos materiais. Devemos ter em mente sempre que buscando primeiramente o Reino de Deus, as demais coisas serão acrescidas (Lc 12.31). Uma das músicas do cantor Nani Azevedo diz: “se atentamente ouvir a Deus, e os mandamentos seus obedecer [...], eu não correrei atrás de bênçãos; sei que elas vão me alcançar...”.
            Outra parte, da canção “A fé faz o Herói”, que me conduz à reflexão é: “Diga pra vida: ‘eu sou mais eu’. Diga pro alvo: ‘aí vou eu’ [...] Olha pra dentro de você! Só realiza quem constrói! A gente nasce pra vencer...”. Puxa! Cadê Deus?! Esses versos expressam uma desigualdade teoantropocêntrica, pois o homem assume o papel de maior peso na balança. Deus é citado na canção apenas uma vez e, mesmo assim, como um instrumento de vitória para o homem. Isso negligencia completamente o que Cristo afirmou: “Sem mim, vocês não podem fazer coisa alguma” (Jo 15.5). Quem somos nós para dizermos que podemos fazer tudo o que queremos? Podemos até dizer isso, mas realizar e conquistar que é bom... nada. Sem Ele, NADA.
Quando se diz “a gente nasce pra vencer” o que se pretende dizer? É necessário lembrar que nem todas as pessoas consideradas como “heróicas” na Bíblia, foram vencedoras no sentido estrito da palavra. Muitas foram fugitivas, perseguidas e mortas, inclusive. O problema é que essa teologia da prosperidade desconsidera todas essas questões, dando ênfase, majoritariamente, a coisas materiais e finitas, como sucesso financeiro, profissional, amoroso etc.

            Infelizmente, o cristianismo chegou a um nível crítico. Cristo não é mais o centro do cristianismo. As pessoas se valem da importância do homem sobre a natureza para acharem que são superiores a Deus também; que Ele é submisso aos caprichos humanos. Que Deus pequeno! O homem não precisa mais dEle – e porque não destituímos os maiúsculos também? Escrevamos agora Homem e deus. Nesse sistema vigente, há uma “guerra de todos contra todos”, em que as pessoas são os “espinhos transformados em trampolins” pelos gananciosos. Além disso, músicas como essa iludem os que não têm chance nenhuma nessa sociedade selvagem. Costumo dizer também que é uma canção de auto-ajuda para aqueles que têm complexo de inferioridade. Talvez esta seja a única contribuição para a edificação espiritual. Pode ser até contraditório de minha parte afirmar isso, mas acredito que esse estilo ‘neo’ é um estímulo para o excesso de autoconfiança em uns, ao mesmo tempo em que é um impulso para que se vença o complexo de inferioridade de outros.

            Não sei qual o pior: deixar Deus de lado completamente e admitir que não se precisa dEle para absolutamente nada ou confessá-lo como um deus útil, um meio para a satisfação humana. De uma coisa tenho certeza somente: vivemos hoje tal qual a igreja em Laodiceia, na Ásia primitiva.


Zilma Adélia

Um comentário:

Unknown disse...

Outra parte, da canção “A fé faz o Herói”, que me conduz à reflexão é: “Diga pra vida: ‘eu sou mais eu’. Diga pro alvo: ‘aí vou eu’ [...] Olha pra dentro de você! Só realiza quem constrói! A gente nasce pra vencer...”. Puxa! Cadê Deus?!

Se vc colocasse o verso completo, com certeza perceberia que ela fala "Flecha veloz nas mãos de Deus"

Mas concordo com quase tudo que vc disse! Sua reflexão é interessante, mas sou apaixonado pela melodia.... Abraços